#30 Os cem anos de comidas em Macondo
Inventei moda e fiquei sem saber como desenvolver. A ideia é estapafúrdia, mas se até a Netflix tem coragem de produzir uma série baseada nele, por quê eu não posso falar das comidas do livro?
Oi, tudo bem?
Estou dando um tempo no assunto das últimas cartinhas já que precisei alimentar minha ideia de jerico, mas como tive alguns retornos legais, vou deixar aqui dois perfis que desenvolvem um conteúdo bacana sobre o assunto (não sou fã dos produtos comercializados, mas entendo…). A dupla de amigas da She_Talks tem qualidade, humor e um certo deboche nas informações e ainda tem uma newsletter bem legal. E a Silvia Ruiz - musa - acabou de lançar uma comunidade, a Re-Age Life, mas por enquanto, eu prefiro ficar com os conteúdos do perfil dela mesmo.
As comidas de Macondo
Desde que a Netflix anunciou que ia produzir a série baseada no livro Cem Anos de Solidão, eu estou com comichão… corri para procurar o meu livro e não achei. Ele era em espanhol e o li quando morei em Buenos Aires, aos 15/16 anos. Depois tive uma cópia em português, mas também me desfiz. Como assim? E a cisma de ler novamente a saga da família Buendía, com seus Aurelianos, Úrsulas e Josés Arcadios, só aumentava.
Finalmente, peguei emprestado uma cópia do livro na pequena biblioteca da Gabo - loja de livros e vinhos cujo nome é em homenagem ao autor. No mesmo dia, a Mica Charlone, do Comida Sem Regra fez um vídeo implorando à rede de streaming para contratá-la como garota propaganda da série. A ideia dela é fazer uma comida em homenagem ao livro e ao lançamento da série. Aplaudi de pé a iniciativa e entrei no coro para sensibilizar a Dona Netflix.
Finalmente iniciei a releitura e observei com mais atenção a primeira vez em que a comida apareceu. Foi na página 18, ao longo da travessia do pântano, quando eles comentam sobre comer a carne de veado, salgar a mesma para durar mais tempo e evitarem assim comer carne de araras, “cuja carne azul tinha um áspero sabor de almíscar”.
Me deu um estalo - muito influenciada pela proposta da Mica e por uma ideia que venho amadurecendo há tempos. Resolvi, então, anotar não frases de efeito ou marcantes/importantes para a trama, mas todas as comidas que aparecem descritas e/ou nomeadas no livro.
Ao todo, são cerca de 50 citações às comidas - algumas conhecidas, outras cabíveis naquela saga fantasiosa como o caldo de lagartixas e os ovos de aranha. A grande mesa e os momentos da família ao redor dela, a cozinha, as festas e refeições são lembradas no livro, mas sobre as comidas e os tipos de alimentos, são mais ou menos essas 50 citações que encontrei ao longo da história.
ATENÇÃO: isso não é uma tese de mestrado, um trabalho aprofundado, uma pesquisa absurda. Foi só uma curiosidade minha, de listar quantas vezes as comidas aparecem e quais são elas. Mesmo “a terra úmida do quintal e os biscoitos de cal” que a Rebeca arrancava das paredes com as unhas.
E por não desenvolver nenhum estudo mais aprofundado sobre a representação da comida no livro, vou apenas listá-las junto com algumas curiosidades que encontrei nessa última leitura que fiz, da 108ª Edição da Editora Record, com tradução de Eric Nepomuceno, de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez.
Pág. 18 - Carne de veado e de arara
Pág. 22 - Panela de barro e caldo fervendo
Pág. 30 - “Estômago estropiado pela carne de macaco e sopa de cobras”
Pág. 36 - Doce de goiaba com biscoitinhos
Pág. 45 - Caldo de lagartixas e ovos de aranhas
Pág. 50 - Suco de laranja com ruibarbo
Pág. 53 - Os animais de caramelos contagiados com a praga da insônia que se espalhou pela cidade
Pág. 63 - Canastras de pão, variedades de pudim, merengues e biscoitinhos
Pág. 71 - Biscoitinhos de goiaba
Pág. 73 - “voltou a comer terra… apetite ancestral, o gosto pelos minerais primários”
Pág. 92 - Bolo de noiva
Pág. 94 - Xícara de chocolate espesso para levitação
Pág. 102 - José Arcádio voltou, dormiu por três dias e “tomou” 16 ovos crus
Pág. 103 - “Alimentando-se do corpo de um companheiro… cuja carne salgada e tornada a salgar e cozida ao sol tinha um sabor granuloso e doce”
Pág. 106 - Presentes exóticos: sardinhas portuguesas e geleia de rosas turcas
Pág. 137 - Doce de leite da Úrsula
Pág. 224 - Xícara de chocolate com água
Pág. 277 - Os “irracionais” torneios organizados por Aureliano Segundo, um comedor invicto, atraia glutões de todas as partes, até chegar Camila Sagastume, A Elefanta
Pág. 277 - Vitela com aipim, inhame e banana assada e uma caixa e meia de “champanha”
Na página 278, o narrador descreve como personagem A Elefanta desenvolveu uma teoria que rende boas discussões (e super atuais) acerca do ato de se alimentar: “Sua teoria, demonstrada na prática, se baseava no princípio de que uma pessoa que tivesse perfeitamente resolvidos todos os assuntos de sua consciência poderia comer sem trégua até que o cansaço a vencesse”.
Pág. 278 - Cada um bebeu suco de 50 laranjas, 8l de café e 30 ovos crus. No segundo amanhecer: 2 porcos, 1 cacho de bananas e 4 caixas de campanha. Dois perus assados… Aureliano quase morreu de tanto comer em uma competição com uma mulher que compreendia mais a arte de se alimentar do que ele
Pág. 281 - Sorvetes e biscoitinhos
Pág. 282 - Sal / arsênico na sopa!
Pág. 287 - Almoço: pedaço de carne guisada com cebola, arroz brando e fatias de banana frita.
Pág. 293 - Caldo de galinha - elixir de ressurreição da Meme
Pág. 294 - Para curar a ressaca, frasco de óleo de fígado de bacalhau
Pág. 297 - Presunto importado com rodelas de abacaxi
Pág. 347 - Quando vem a escassez de comida por conta do dilúvio: “se contentar com uma pelanca ressecada e um pouco de arroz no almoço”
Pág. 351 - Ovos quentes e fígados de cotovia (deboche)
Pág. 357 - Tiras endurecidas de carne seca, sacos de arroz, milho com caruncho e cachos mirrados de banana
Pág. 364 - Comer angu por três dias
Pág. 372 - “torpor das almôndegas do almoço”
Pág. 282 - Café sem açúcar, arroz com fatias finas de bananas fritas
Pág. 399 - Frutas cristalizadas, presuntos e conservas de legumes em vinagre. Vinhos e licores
Pág. 401 - Fatias de presunto, flores açucaradas, vinho
Pág. 409 - Comida nativa: comeu uma fileira de 82 ovos de iguana. Amaranta Úrsula mandava vir de trem peixes e mariscos em caixas de gelo, carne em lata, compota de frutas
Pág. 413 - Caldo de cabeças de gado, sopas reforçadas com ora-pro-nóbis e perfumadas com hortelã
Pág. 434 - Pêssego em calda
Algumas curiosidades:
Úrsula era dona de uma confeitaria, onde produzia animais de caramelo. Ainda ministrava óleo de rícino para as crianças.
Remédios naturais também são citados: xarope de tutano e mel de abelha para tratar da cegueira de Úrsula. Alguns mais estranhos como o purgante de protocloreto de mercúrio.
Produção de carne de vaca, porcos e galinha para alimentar toda a vila.
“Haveria de se passar algum tempo antes que Aureliano percebesse que tanta arbitrariedade tinha origem no exemplo do sábio catalão, para quem a sabedoria não valia a pena se não fosse possível servir-se dela para inventar uma maneira nova de preparar os grãos-de-bico.”
Ler o livro - voltando de tempos em tempos à árvore genealógica na primeira página para não me perder na estrutura familiar - com essa perspectiva da comida, criou para mim uma outra saga para além desse realismo fantástico de Gabriel García Marques. O papel do alimento nas histórias, a importância que o escritor dá ao ato de comer e tudo que a comida pode oferecer dentro de um contexto específico de enredo (acho que estou viajando…). Fazer essas anotações, aguçou ainda mais minha curiosidade para saber qual prato a Mica vai preparar (porque tenho certeza que ela vai fazer essa divulgação com a Netflix). E claro, ver como essas partes da história serão retratadas na série.
MERCEARIA DA VIDAL
Estive em São Paulo por alguns dias mas não fiz muita coisa. Aproveitei para assistir muitos filmes:
O ótimo - American Fiction
Alguns bem bonitinhos e bobinhos - Mrs. Harry vai à Paris e Summerland
Um ok só por causa da dupla de protagonistas George Clooney e Brad Pitt - Lobos. Sinceramente, ainda bem que não paguei ingresso para assistir.
Outro péssimo, mesmo tendo a Laura Dern - sempre maravilhosa. Nem ela consegue salvar a bobagem que é Amores Solitários
E um que gostei, sem amar. Achei apenas uma bela homenagem à artista em questão: Meu nome é Gal vale mas deixa muito a desejar… Uma pena.
Ainda em SP, fui de novo à Sala São Paulo assistir à Osesp, e é sempre um programa lindo. Uma vez em São Paulo, prestigie, quase certeza que você não vai se arrepender.
Gostei demais dessa reflexão sobre o Desapego - e até pensei no meu livro Cem Anos de Solidão, que nunca encontrei….
Qual é a música, Pablo
Como assisti ao seu filme agorinha, fiz a ligação e deixo aqui registrada a minha música preferida (e certamente a da torcida do Flamengo) cantada por ela. Na verdade, é quase impossível dizer se essa é a melhor música que ela canta. Além das tradicionais Baby, Vapor Barato, Balancê, Festa do Interior, a interpretação dela em Sua Estupidez, de Roberto Carlos, é de arrepiar. Ainda assim, ninguém é capaz de cantar Vaca Profana como ela.
Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Ufa!!
Obrigada por chegar até aqui.
Beijocas
Rê
A edição toda está um primor, mas a identificação das comidas no livro é um serviço público de máxima utilidade. Obrigado!
livros e comida... Like water for chocolate está chegando... li o livro, acho que vc leu em Boston tb... assistimos ao filme... e emprestei para a Laura.
Agradeço tanto por vc ter vindo! Compartilho do que vc achou dos filmes... rs... que filme ruim aquele da Laura Dern.... sacanagem!
Obrigada pelas comidas... sabe o que faltou e que amo: um bom pad thai que vc faz! rs.... Para a vinda de férias realmente!
Te amo!