#32 Tradições podem ser quebradas, revistas ou esquecidas
Tem data certa para enfeitar a casa para o Natal? Precisa mesmo ter uma data certa? E mousse de maracujá? Essa tradição nacional é mousse mesmo? Apenas algumas reflexões, obviamente, sem respostas.
Oi, tudo bem?
E aí, você é do time que mal acaba o Dia das Bruxas e já corre para montar a árvore de Natal? Por aqui, trabalhamos com a tradição familiar: a árvore é montada no dia 06 de dezembro e desfeita no dia 06 de janeiro, Dia de Reis. Este ano estou quase NÃO montando a minha. Temos uma gata, como muitos já sabem. Use a sua imaginação ou procure por memes de gatos com árvores de Natal. Bom, vou facilitar a vida e deixar um vídeo para você entender o drama.
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A verdade é que, com exceção do ano da pandemia, em 2020, NUNCA passamos um Natal aqui, em Curitiba. O Rio de Janeiro é nossa casa neste período. Então, montar a árvore fica até meio sem sentido. Porém, tradição é tradição, e seguimos. Estou com umas ideias novas para esse ano. De qualquer maneira, alguns enfeites, luzes e o presépio sairão das caixas e serão incorporados à decoração da casa. É saudável alimentar as tradições, mas acho ainda mais saudável adaptá-las à sua realidade e, especialmente, criar suas próprias.
O poder das narrativas
“Mousse de maracujá é muito chique, Leila. Ainda mais sendo uma fruta tão tropical. Gringo adora. Mas você já colocou a mousse de XXX (não lembro do que era) de entrada. Nesse caso, fica repetitivo, acho que pode ser outra sobremesa”.
Peguei essa conversa outro dia, quando fui impactada por um trecho da novela Vale Tudo. Pois é, não só estou na expectativa do remake, como ainda paro para ver quando aparece na minha timeline. Era uma conversa da Maria de Fátima com a Leila, que passa mil capítulos organizando um jantar, agora como esposa do Marco Aurélio. Bom, não era sobre a novela que ia escrever, mas achei super pertinente trazer o diálogo desse fenômeno da nossa teledramaturgia. Assisti a essa cena na mesma semana em que fizemos uma mousse aqui em casa - fizemos leia-se Rogerio fez, eu só “dei palpite”.
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F19fe07c4-7ebc-4c24-920a-5fdf3b80b34e_827x560.png)
A mousse não foi de maracujá. Comprei uma manga muito da sem graça, mas cheia de polpa. Rendeu um suco bem concentrado. Ficamos no toma, não toma e Rogerio deu a ideia e fez a mais tradicional das mousses (e sobremesas) brasileiras. A receita não poderia ser mais simples e prática: uma lata de leite condensado, uma caixinha de creme de leite, a mesma medida de suco concentrado - o velho Maguary (quem nunca?), aqui substituído pelo suco de manga recém batido - e um saquinho de gelatina sem sabor. Mistura tudo, transfere para um pote, horas de geladeira e voilá, habemus sobremesa.
EU JURO…. de pés juntos, pela minha mãe, pela vida do meu filho, etc (já entendeu, né!?)... que na primeira colherada, eu senti gosto de mousse de maracujá! Sério!! Na verdade, senti vários gostos, que foram da infância, passando por datas comemorativas, até a coleção de tupperwares coloridos da minha mãe. Memória afetiva que chama. Falei que a manga estava bem insossa, né!?
Na segunda colherada, pensei na nossa relação - a do brasieliro de um modo geral - com o produto Leite Condensado. De repente, fui lá para a década de 1980, devia ser 1985 ou 1986 (tenho essa referência de ano por conta da cozinha - eu lembro da cena, das roupas, das cores e, principalmente, das sensações). Neste dia, minha mãe brigou comigo, uma briga bem feia… daquelas… Eu era criança, estávamos no anos 1980, ligue os pontos.
Dias antes eu pedi para fazer um brigadeiro e usei a única lata de leite condensado que tinha em casa. Se não me engano, foi a primeira vez em que eu fiz sozinha um brigadeiro. Em tempos de inflação na lua, o leite condensado mesmo quando estocado em casa, era quase um luxo. Ela precisava fazer uma sobremesa, fosse para um almoço de família ou para receber alguém - esses detalhes, não interessam - sem aquele leite condensado era quase impossível fazer uma sobremesa decente, que agradasse a todos, prática e rápida. Escala 6x1, né!?
Qual foi a sobremesa que ela fez, afinal? Não lembro e, de novo, não interessa. O que ficou foi a dor e a representação da lata de leite condensado, pelo menos, pra mim, naquele momento.
Nas demais colheradas, lá longe, até senti a manga. E não foram só essas sensações nostálgicas e do paladar que vieram. Pensei, embora tenhamos feito com o suco da fruta, que esta é uma sobremesa absurdamente industrializada. Prática, é verdade, mas 100% feita de produtos industrializados.
E sobre essa tal relação com o Leite Condensado especificamente (mas poderia ser com a indústria alimentícia), O Joio e o Trigo publicou essa matéria ótima contando e refletindo sobre como a história das sobremesas brasileiras estão ligadas ao produto em questão. Leia com calma, as informações ali contidas são super importantes para entendermos a história da alimentação do país a partir do início do século 20 para cá. E, claro, o poder da indústria.
“O produto chegou embalado de forma hermética e industrializado num Brasil que queria tirar a ideia de que éramos selvagens e tomávamos leite direto da vaca”, explica a advogada Ekaterine Karageorgiadis - em outra ótima reportagem da revista Piauí sobre o assunto.
Aproveita e dá uma olhada nessas propagandas do produto:
Quando comecei a pensar na minha vida na gastronomia, na transição de carreira e tudo mais, as brigaderias eram moda, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em Curitiba, o negócio engatinhava. Mesmo trabalhando em uma agência de marketing, comecei a produzir brigadeiros em casa. Naquela época, ainda achava que as técnicas de Carême e de pâtisserie eram inalcançáveis. Não estava de todo errada, pois habilidade nula para tais feitos, mas no fundo, eu negava, por ignorância mesmo, a nossa capacidade de produção e criação para além do que sairia de uma lata de leite condensado.
O objetivo aqui não é demonizar o produto que, mesmo sendo trabalhado exaustivamente por departamentos comerciais, publicitários e de marketing, tem uma história com o povo brasileiro. Quem não gosta de brigadeiro que atire a primeira pedra (e olha que tem). Minha questão - e aqui abrem-se mil pop-ups (já comentei como funciona a minha cabeça) -, é que temos capacidade de produzir, desenvolver e criar mil sobremesas usando nossos produtos, frutas e técnicas da nossa própria doçaria tradicional ou mesmo da pâtisserie francesa. E ainda assim, escolhemos a praticidade, o sabor mais agradável ou afetivo, aquele que já conhecemos e nos é tão familiar. Um modelito “básico” industrializado que cabe no bolso.
Poderíamos ter tomado um suco de manga, ter transformado aquela polpa num sorbet (acho chique) ou até mesmo feito uma mousse, como manda a técnica de pâtisserie. Aliás, a Heloisa Bacellar comenta em seu site que essa “nossa mousse”, nem deveria ser chamada de mousse e sim de um Creme Gelado, principalmente por não levar clara em neve. Isso é técnica e conhecimento.
Eu acho que ela está certa. Embora entenda a nossa relação com o Leite Condensado, especialmente o Moça, da Nestlé, existe uma linha tênue na gastronomia que envolve técnica e tradição. É fato que a gente não precisa deixar de fazer um doce com produto industrializado - leia a matéria da Piauí que mencionei acima e veja o que Carole Crema, uma das maiores doceiras da atualidade, diz a respeito. Praticidade, custo, tempo, e até mesmo tradição… tudo deve ser levado em conta. Talvez o que resolva é estarmos cientes/conscientes dessas escolhas, mas principalmente, dar o nome certo as coisas. Mousse é Mousse, Creme Gelado é Creme Gelado.
Aliás, deixo aqui uma receita de mousse de maracujá, como manda o figurino da tradição.
MERCEARIA DA VIDAL
=> Não, não vou indicar o filme do mês, do semestre, do ano. Primeiro, porque ainda não assisti - shame on me -, segundo porque acho quase uma obrigação civil ir ao cinema, assistir ao “Ainda estou aqui” e, de preferência comprar o livro (pode comprar neste link aqui e ajude esta jovem senhora a pontuar nos Associados da Amazon!).
=> Vou montar uma news especial de Natal. Então, se você tem dicas, produtos, serviços, lojas, comidas, catering, presentinhos bacanas e originais, de qualquer canto do país, me manda mensagem. De preferência o mais artesanal possível e com mulheres à frente da marca ou serviço.
=> E para dar uma prévia do que quero indicar, vai por mim, faça logo a sua encomenda de panetone. Quem me conhece sabe: eu NÃO GOSTO de panetone. Tenho um PAVOR absurdo de frutas cristalizadas. E ainda assim, torço o nariz para chocotones e afins. Mas a gente cresce e dá umas chances para o nosso paladar amadurecer também. E morde a língua.
Finalmente consegui comprar - sim, não é tão fácil assim, o Panetone da Caramelodrama.
SÉRIO…. Experimentei o panetone de chocolate branco, nozes e damasco. Suave, aerado, molhado, doce na medida certa e ainda derrete na boca. Agora, já quero o de amarena, chocolate meio amargo e cacau. O tradicional não vai rolar, o paladar amadurece mas nem tanto. De qualquer maneira, já valeu a experiência e temos aqui mais uma tradição natalina instalada!
O problema é que agora, pode ser que eu vire “sommelier” de panetones artesanais e saia provando todos por aí. Ou desistir ao menor sinal de essência de panetone. Esconjuro, cruz credo.
QUAL É A MÚSICA PABLO
Ando bem latina ultimamente e tirei do fundo do baú um disco que não saia do meu CD player. Buena Vista Social Club reuniu a nata dos músicos cubanos para regravar clássicos do país. É lindo demais. É bom reviver as tradições.
Nos vemos ainda este ano!
Obrigada por chegar até aqui.
Beijocas
Rê
Sua carta está lindamente natalina!!!
Um aparte: mousse de chocolate pra mim agora é: abacate batido com cacau em pó 100% e adoçado com tâmaras ou açucar demerara (pra Malu), kkkkkkkkk Eu como, mas não curto mais o leite condensado. Será que perdi o sabor da infância?!?!?! (ou será apenas a menopausa?!?! kkk)
Já falei que AMO te ler? Se não, tá registrado, se sim, repito indefinidamenteeee. Suas marcas históricas (idade, RJ, círculo de influência, tendências etc) são as minhas e é como "me ler" junto com cada cartinha haha
Que espelho louco de referências e novas janelas lindas para o hoje você me presenteia!
Minha vida é até hoje marcada pelo "creme gelado" de maracujá (uma das 1as sobremesas que aprendi a fazer - fazia p meu 1o namorado e é hoje a preferida do meu filho). Havia quem tomasse leite condensado "da lata", mas isso sempre achei doce demais ou exagero haha
Também quis ser Solange (tive até a fatídica franjinha, o q conseguiu transformar minha cara de queijo bola em lua cheia né, cherie?)
E simmmm, tb ODEIO frutas cristalizadas e essência de panetone, socorro. E pq diachos colocam essência disso num chocotone?? Pq? Pq?
Enfim, já viu o que suas cartinhas fazem né? É papo pra mesa e de mesa, seja de bar ou jantar, sempre os melhores lugares pra contar histórias, falar da vida, alimentar o futuro e conectar tudo isso.
Já falei que AMO te ler? :) <3