Oi, tudo bem?
Reparou que sempre começo com aquele papo de elevador sobre o tempo? Pois é, isso me incomoda um pouco… até porque na carta passada comecei com o maior calor e quando a enviei, o tempo já estava frio e chuvoso. Tempo mais doido que eu, talvez seja melhor não dar tanta pinta assim, não é mesmo? De qualquer maneira, fico só pensando em como será que está o tempo agora que você está lendo essa edição? Os retornos que recebo das leituras da carta podem levar dias, tipo greve dos correios. E, agora que assino 3.284 newsletters diferentes, entendo que é isso, são cartas para ler com calma, tempo e vontade mesmo. E está tudo bem!
E a obra, minha gente? Como estamos? Teve um dia que até achei que perdi a Summer no meio do entra e sai de equipe… mas ela estava escondidinha como tem ficado durante essa reforma inteira. Um dia apareceu eletricista, casal de pintores, marceneiro, o cara do box, empreiteiro e arquiteto. Sério, só faltou o Padre pra benzer… O interfone não parou um segundo! Quando eu vi, estavam todos aqui em casa e eu sempre com a impressão de que ninguém consegue organizar o caos.
A obra está tão entranhada na minha cabeça - quase igual a poeira acumulada na persiana -, que outro dia, durante o banho, vislumbrei uma crônica sobre a decisão de não ter ducha higiênica no banheiro. Pois é, acredite, renderia fácil, mas obviamente esqueci no minuto em que abri a porta do banheiro. E hoje, ela me parece tão boba… E esse é um dos meus problemas com a escrita (pode ser uma analogia com a vida de um modo geral,...), durante o banho ou quando estou dirigindo sozinha, crio e “escrevo” na minha cabeça milhares de textos, conversas, discursos e ideias de projetos. É como se eu entrasse num portal de criatividade, capaz de trazer todos os elementos necessários para a produção perfeita. E a realidade volta à tona. Minha teoria é a de que a mente é mais esperta do que eu, esquece rapidinho pra eu não passar vergonha depois com as ideias estapafúrdias que tenho.
UPDATE OBRA
21º dia útil da obra - vieram instalar o piso vinílico. Ninguém verificou se a cola para instalar o piso estava aqui. Sem mais, no momento….
23º dia útil da obra - tentaram instalar a porta do banheiro. Não cabia… ou trouxeram uma porta fora dos padrões ou esqueceram de medir. Resultado, é só quebrar mais um pouquinho de parede para encaixá-la perfeitamente. Só… (lembra? Contém ironia…)
25º dia útil da obra - hora de enviar a newsletter e eu não vou falar sobre isso…
Um simples passeio ou uma experiência na Bahia?
E o quê o filme O Menu tem a ver com isso?
Desde antes de abrir a Mandarina, eu já sabia que o termo “a experiência do cliente” era a chave para atrair consumidores, conquistar fama e estabelecer parâmetros de qualidade. Na gastronomia, isso tem ganhado proporções absurdas, passando pelo menu degustação, sequências, ambientes (especialmente os instagramáveis), cardápios com verdadeiros memorandos - que muitas vezes não dizem nada -, passando por lavar as mãos com chocolate para uma imersão sensorial (clica aqui no link para entender isso) e mil outras formas “de encantar” aquele que se dispõe a gastar dinheiro no seu estabelecimento. E não é tão fácil assim desenvolver esses conceitos e oferecer constantemente uma “experiência” ao cliente.
A verdade é que isso não é uma tática recente, como sugerem os marketeiros de plantão, mas se tornou uma verdadeira obsessão por quem trabalha no ramo. Quem é da área de hotelaria sabe que isso está implícito no diferencial de hotéis de nenhuma estrela e de cinco estrelas. Sabe os shampoos, sabonetes e mimos que você acaba colocando na mala e deixando mofar no seu banheiro de casa? Eles são chamados de Amenities, que hoje, dependendo do hotel, ganharam status de “produtos diferenciados” ou mesmo “para gerar uma nova experiência ao hóspede”.
Há quem trabalhe com informática e hoje seja especialista em UX - em inglês User Experience ou Experiência do Usuário, uma prática que tenta prever como uma pessoa sente ao interagir com uma empresa através de uma tecnologia digital, como site, aplicativos, etc.
A palavra EXPERIÊNCIA, de acordo com o dicionário Michaelis, significa o ato ou efeito de experimentar (-se). Conhecimento adquirido graças aos dados fornecidos pela própria vida. Ensaio prático para descobrir ou determinar um fenômeno, um fato ou uma teoria. Conhecimento das coisas pela prática ou observação. Uso cauteloso ou provisório. Perícia ou habilidade adquirida pela prática.
E há um significado filosófico para a palavra: “Experiência é todo conhecimento adquirido através da utilização dos sentidos”.
Tem limite para as experiências no ramo da gastronomia? Será que a qualidade do que estamos comendo não se esconde no meio de tanto estímulo sensorial? A conversa pode ser extensa demais e se perder. E por isso trago a dica do filme “O Menu”, com Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy e Nicholas Hoult, que conta sobre um seleto grupo de 12 pessoas que vão ao exclusivíssimo restaurante de um chef famoso e prepotente em uma ilha, para terem a refeição de suas vidas. A comida importa e muito, especialmente para o chef, mas o experimentar, o vivenciar, o uso de todos os sentidos extrapola os limites da psique e atinge níveis em que o desfecho só pode ser um. Previsível. Particularmente, eu não gostei do filme, por alguns exageros que no meu entendimento eram desnecessários. Mas entendi como uma crítica ao que estamos praticando nestes últimos tempos, seja no limite do experimentar, seja na sociedade elitizada e exclusiva.
Esse delírio todo serviu de introdução (longa, pra variar) para contar e questionar sobre uma “experiência gastronômica” que fizemos em Arraial D’Ajuda. A ideia inicial era aproveitarmos o dolce far niente na Bahia, mas pesquisando sobre o que fazer nas redondezas, descobri Os Ribeirinhos. Não precisaria pegar carro (se bem que tivemos que ir da pousada para o píer de carro, mas é detalhe) e como o tempo não estava dos melhores, parecia ser uma opção interessante, melhor do que arriscar ir para Trancoso ou Praia do Espelho num dia nublado.
E foi. Os Ribeirinhos é um restaurante dentro da casa do espanhol Davi e da baiana Érika, casados há mais de 20 anos, que depois de muito ir e vir, se instalaram na Ilha do Pau do Macaco e montaram essa estrutura para morar e receber um pequeno grupo de clientes para um dia inteiro de boa comida, natureza e tranquilidade. A síntese de uma experiência gastronômica.
Experiência ou apenas um passeio turístico bem montado, de qualidade, com bom atendimento, comida saborosa e estrutura simplificada mas com um certo requinte?
É um passeio de um dia inteiro, com direito a uma viagem de 50 minutos de barco pelo rio Buranhém, passando por falésias e um corredor de Mata Atlântica até o destino. Sem grandes luxos. Confesso que aqui, me senti um pouco participando do filme O Menu, pois o grupo que estava conosco parecia saído de um roteiro cinematográfico.
Lá, fomos recepcionados pelo casal, um par de funcionários e o filho deles, que faz pequenos bicos para os pais nas folgas do trabalho on-line. O local é simples, mas extremamente bem cuidado, com detalhes na decoração que se integram à natureza e trazem algum conforto, com redes espalhadas pelas árvores, esteiras e almofadas pelo gramado e balanços para crianças - instagramáveis pelo ambiente, sem firulas. Tem galinhas soltas, horta e um campinho de futebol.
No cardápio do dia:
Entradas
Tartar de peixe e manga com mostarda em grão, mel e limão. Bom, sem ser maravilhoso
Assado misto de fraldinha, linguiça e batatas fritas caseira. Tudo no ponto e bem saboroso
Principal - para escolher
Paella de peixe, camarão e lambreta com salada
Ou
Filé de peixe grelhado, arroz, farofa e salada
Ficamos na Paella - se você leu a primeira carta você vai lembrar que reclamei de que na cidade quase não tinha comida baiana. E aqui estou eu, falando de um passeio que não oferece comida baiana. Incoerente, não? Mas o chef é espanhol e está usando frutos do mar da região. Lambreta, gente, lambreta!!! Aliás, teve uma entradinha extra que ele ofereceu: caldo de lambreta (molusco, tido como afrodisíaco, típico da Bahia), delicioso.
Pelo valor, pela exclusividade, pelos pratos e lugar, pode-se vender um dia desses como uma bela experiência gastronômica mesmo. Afinal, todos os sentidos são estimulados. Para mim, foi um belo passeio, que recomendo para quem gosta de desfrutar de algo sossegado e de comer comida boa. Simples assim.
Qual é a Música, Pablo?
Essa música voltou para minha vida ano passado de uma forma tão sui generis que até escrevi esse post aqui, explicando sobre ela e o que ela representava pra mim.
Mas errei quando falei que era uma baladinha romântica. Não é. Quase fiz um adendo na época, mas deixei pra lá. Agora, nessa faina de escrever sobre as 50 músicas da minha vida (até agora…) achei que seria um bom momento de me retratar.
A verdade é que, o próprio nome já dá a deixa, Canción para mi muerte fala sobre a expectativa da morte. Fiz umas pesquisas e entendi que ela foi composta em 1972, pelo Charly Garcia, um Renato Russo argentino, e lançada pela banda dele, a Sui Generis.
A canção conta sobre a possibilidade de um diálogo e a espera da morte, relato de uma experiência vivida pelo próprio Charly, após ingerir uma quantidade absurda de remédios. Ele estava prestando o serviço militar obrigatório, em plena ditadura militar argentina, em 1969, e achou que poderia se recuperar em casa após o “incidente”, mas não deixaram ele sair e sua recuperação foi no quartel. Reza a lenda que ele escreveu os versos da canção ao acordar dessa overdose.
É claro que trago lembranças daqueles dois anos em que morei em Buenos Aires e que foram tão significativos pra mim. Ela me emociona e eu choro. Quando a escuto, tem que ser com um som bem alto para eu não ouvir minha voz que canta a pleno pulmões. Hoje, pensando na própria música, ela vem de encontro com essa sensação que começa a me acometer, da iminência da morte ou da finitude da vida - porque ela pode vir de diferentes formas, não é mesmo? E eu sei que caio no risco de soar pessimista, dramática ou coisa parecida, mas a questão não é exatamente essa. Quando ele diz que: “solo me quiero arreglar”, para receber a morte, eu interpreto de outra forma. É um pedido de aviso, com certeza, mas que está implícito - dentro da minha leitura-, algo como: “Me avisa quando você vai chegar sim, por favor. Porque eu quero viver muito e vivenciar todo o possível antes de você chegar! E sabendo quando você vem, estarei pronta”. Tem uma sutil diferença, entre o se arrumar e estar pronta para a sua hora e o se arrumar para todas as possíveis aventuras e aproveitar esse tempo, mesmo sabendo que a hora vai chegar.
É para cantar e se emocionar. Mas, principalmente, para viver, né?
Coloquei a letra abaixo com a tradução. Depois me conta se gostou.
Canción Para Mi Muerte
Hubo un tiempo que fui hermoso
Y fui libre de verdad
Guardaba todos mis sueños
En castillos de cristal
Poco a poco fuí creciendo
Y mis fábulas de amor
Se fueron desvaneciendo
Como pompas de jabón
Te encontrare una mañana
Dentro de mi habitación
Y prepararás la cama para dos
Tchu ru ru tchururu ru ruru, ru ru aaaaa
Es larga la carretera
Cuando uno mira atrás
Vas cruzando las fronteras
Sin darte cuenta quizás
Tómate del pasamanos
Porque antes de llegar
Se aferraron mil ancianos
Pero se fueron igual
Te encontraré una mañana
Dentro de mi habitación
Y prepararás la cama para dos
Tchu ru ru tchururu ru ruru, ru ru aaaaa
Quisiera saber tu nombre
Tu lugar, tu dirección
Y si te han puesto teléfono
También tu numeración
Te suplico qué me avises
Si me vienes a buscar
No es porque te tenga miedo
Solo me quiero arreglar
Te encontrare una mañana
Dentro de mi habitación
Y prepararás la cama para dos
Tchu ru ru tchururu ru ruru, ru ru aaaaa
Canção Para Minha Morte
Houve um tempo em que fui bonito
E fui livre de verdade
Guardava todos os meus sonhos
Em castelos de cristal
Pouco a pouco fui crescendo
E minhas fábulas de amor
Foram desvanecendo-se
Como bolhas de sabão
Te encontrarei em uma manhã
Dentro do meu quarto
E preparará a cama para dois
Tchu ru ru tchururu ru ruru, ru ru aaaa
A estrada é longa
Quando alguém olha para trás
Vai cruzando as fronteiras
Talvez sem perceber
Segure-se no corrimão
Porque antes de chegar
Se agarraram mil anciãos
E mesmo assim eles se foram
Te encontrarei em uma manhã
Dentro do meu quarto
E preparará a cama para dois
Tchu ru ru tchururu ru ruru, ru ru aaaaa
Gostaria de saber seu nome
Seu lugar, seu endereço,
E se te instalaram um telefone,
Também seu número
Te suplico que me avise
Caso venha me buscar
Não porque eu tenha medo
Só quero me arrumar
Te encontrarei em uma manhã
Dentro do meu quarto
E preparará a cama para dois
Tchu ru ru tchururu ru ruru, ru ru aaaaa
Boa semana e obrigada por chegar até aqui.
Beijocas e até loguinho
Rê
Re, quando essas ideias vierem, você poderia pegar o celular correndo e começar a gravar, tipo fluxo de consciência. Tenho certeza que devem sair bons textos daí!