#24 EXTRA EXTRA EXTRA
Cartinha inesperada que chega perto de datas especiais e/ou comerciais, sempre com histórias, receitas e dicas.
Oi, tudo bem?
Vim aqui rapidinho, para mostrar o texto abaixo, que escrevi durante uma Oficina de Escrita, ministrada pela Ana Holanda. Falei da Ana na minha primeira cartinha. Ela é jornalista e escritora que se tornou uma amiga pessoal ao longo dos anos.
Logo no primeiro curso de escrita criativa que produzi para ela, em Curitiba, lá em 2017, comentei que ela escreveu o livro que eu gostaria de ter escrito. Minha mãe fazia foi um projeto iniciado no Facebook, onde ela escrevia sobre uma situação, questão, memória ou sentimento, quase todos relacionados à família e em especial à mãe, e finalizava o texto com uma receita. Virou um livro de crônicas e receitas e é uma preciosidade. Uma declaração de amor ao mesmo tempo em que serviu para expurgar os demônios da relação de mãe e filha. As receitas são simples, quase todas conhecidas, especialmente para quem foi criança nos anos 70/80. De lá, resgatei a torta salgada tão comum naquela época e que faço sempre para o lanche aqui de casa.
Resgatar esses textos que fiz como exercícios, talvez seja uma tentativa de legitimar a ideia de produzir crônicas. Neste texto, especificamente, falar do meu pai e da nossa relação com a comida, por vezes verdades, por vezes fruto da minha própria imaginação, também é um jeito de agradecer, reconhecer e honrar nossa história.
Carbonara para fechar o domingo de churrasco
Meu pai sempre foi o churrasqueiro da turma. Especialmente, nos grandes churrascos do Clube Naval, quando morávamos em Brasília. Era ele quem escolhia e comprava as carnes. Quase sempre picanha, coração de galinha, asa de frango e linguiça iam para o espeto. Nada de bife ancho ou costela, no máximo uma fraldinha temperada. Os acompanhamentos, adivinha? Ficavam por conta das mulheres: arroz branco, maionese de batata, farofinha e molho a campanha ou vinagrete - dependendo da sua região. O churrasco durava o dia todo, regado a risadas e muita cerveja gelada.
O churrasqueiro, para não perder o timing do processo, nunca comia. Hoje, com anos de cozinha nas costas, consigo entendê-lo. Comer a comida que nós mesmos preparamos o dia inteiro, muitas vezes é indigesta. Rola um enjoo, sabe?
Talvez por isso, depois do banho e da merecida soneca para curar a leve embriaguez do domingo divertido com amigos e família, lá ia meu pai para a cozinha preparar o que ele dizia ser um Carbonara. Massa, ovos, bacon e queijo ralado. Eram os anos 80 e 90 e o queijo ralado era o de saquinho ultra processado, o bacon aquele baratinho e a massa, a mais simples do mercado. Meu pai gosta de massa “passada”, essa coisa do ao dente não é com ele. O ovo era quebrado direto na panela e ao ouvir o bacon sendo frito, eu largava o que estava fazendo - provavelmente meus deveres de casa, feitos nas últimas horas do domingo - e me aproximava da cozinha. Não dizíamos nada, ele apenas finalizava o tal do carbonara e colocava mais um prato à mesa. Comíamos, quase sempre, em silêncio.
Outro dia, fiz um carbonara pra ele. Comprei um pedaço lindo de guanciale, uma massa mais nobre, queijo pecorino e segui o preparo bem como manda a receita italiana. Falei pra ele que era em sua homenagem, pois é uma das lembranças mais bonitas da minha infância. Ele respondeu: "aquilo não era carbonara, filha, era apenas um macarrão pra matar a minha fome. Este aqui é diferente". Respondi baixinho, enquanto fritava o guanciale, com a certeza de que ele não me ouviu: “não importa, pai, em ambos, eu sei que tem amor”.
PRATO DO DIA
Não, não vou colocar a receita do Carbonara. Além de mil dicas nos youtubes da vida, a Carolina Garofani fez esse vídeo em que explica direitinho como fazer. Garanta bons ingredientes e faça! Vale a pena.
Para o Dia dos Pais, eu gosto de apostar nos clássicos. Uma vez, o Ro pediu strogonoff de camarão - um prato que não deixa de ser uma adaptação de um clássico brasileiro, quer dizer, russo. Eu até gosto, mas morro de medo de ficar meio Coco Bambu e, confesso, evito. E ai, parto para um classudo mesmo, tipo, Bife Wellington.
Muita gente boa reivindica a autoria do prato. Ingleses, belgas e franceses travam uma batalha para ficar com esse crédito, mas os registros são imprecisos, embora esteja claro que ele é uma homenagem ao general britânico, Arthur Wellesley (1769-1852), que derrotou Napoleão Bonaparte, em 1815. Histórias não faltam e ao longo dos anos, a própria receita foi sendo modificada.
Já fiz umas 2 ou 3 vezes aqui em casa, mas sempre acho defeito. Não é um preparo fácil, exige atenção e tempo. Este vídeo aqui é lindo e bem didático, mas eu nunca faria a massa. A que compramos pronta, serve perfeitamente. Gosto da receita do Claude Troigros e é ela que eu costumo seguir.
Bife Wellington
Ingredientes
Purê de cogumelos
400 g de cogumelos paris fatiados
2 colheres de sopa de cebola picada
1 colher de sopa de alho picado
50 gramas de manteiga
50 gramas de farinha de trigo
500ml de leite
25 gramas de parmesão ralado
25 gramas de queijo gruyère
Noz-moscada a gosto
Pimenta-do-reino a gosto
Sal a gosto
Para o molho
1 cebola roxa picada
1 dente de alho fatiado
½ xícara de chá de vinagre balsâmico
1 xícara de chá de vinho do porto tinto
2 xícara de chá de vinho tinto
150ml de creme de leite
200g de manteiga
Pimenta-do-reino a gosto
Tomilho, louro e alecrim a gosto
Sal a gosto
Para o bife
800 gramas de filé mignon limpo
Pimenta-do-reino a gosto
Sal a gosto
Para a Montagem
12 fatias finas de presunto cru jamón serrano
400 gramas de massa folhada
3 gemas
Preparo
Purê de cogumelos
Coloque a cebola e o alho na frigideira com azeite. Adicione os cogumelos e deixe suar até os cogumelos murcharem. Mexa de vez em quando e deixe secar bem. Tempere e reserve.
Faça um bechamel: derreta a manteiga na frigideira, misture a farinha e cozinhe um pouco, em fogo baixo, mexendo bem com um fouet. Coloque o leite aos poucos e continue mexendo. Cuidado para não empelotar. Tempere com de noz-moscada. Cozinhe até engrossar. Adicione os queijos e tempere. Junte os cogumelos e bata tudo no liquidificador. Guarde no freezer até que fique bem gelado, mas não deve congelar.
Molho
Na mesma panela em que fritar o mignon, coloque a cebola, o alho e as ervas, em seguida, acrescente o vinagre balsâmico e o vinho do Porto. Deixe reduzir um pouco e coloque o vinho tinto e espere reduzir totalmente. Coloque o creme de leite e deixe ferver. Adicione a manteiga, pouco a pouco, não deixe ferver. Ajuste os temperos, sal e pimenta do reino, peneire e reserve.
Mignon
Aqueça bem uma frigideira de ferro. Tempere o filé com sal e pimenta-do-reino e sele no azeite, de todos os lados. Retire do fogo, seque bem num pano e leve ao freezer até ficar bem gelado, porém não deve estar congelado.
Montagem do Bife Wellington
Abra as folhas de PVC, colocando em cima as fatias de presunto cru. Cubra com o purê de cogumelos, bem gelado, e deixe livre as pontas do presunto. Coloque o filé e enrole tudo, bem apertado, amarrando as pontas. Guarde no freezer, mas não deixe congelar.
Separe as gemas das claras e adicione uma pequena quantidade de água às gemas antes de utilizar, descarte as claras. Abra a massa folhada - aqui, aproveite e passe o rolo de macarrão umas duas vezes, para a massa não ficar muito grossa e evitar que não cozinhe direito. Pincele com a gema de ovo.
Retire o PVC do filé e enrole na massa folhada. Decore a massa, fazendo pequenos cortes na diagonal e colocando pequenas folhas de massa em cima. Pincele com a mistura de água e gema. Deixe descansar na geladeira por 20 minutos antes de assar, enquanto isso, prepare o molho.
Faça furinhos na massa antes de assar, para não vazar. Asse de 35 a 40 minutos em 250 graus, verificando ocasionalmente, para ter certeza de quando estará no ponto adequado.
Sirva em seguida, com o molho e de acompanhamento pode ser legumes grelhados, purê de batata, batatas salteadas, arroz branco…
MERCEARIA DA VIDAL
Dar presente para o meu pai é uma dificuldade. Muitas vezes, acabo no tradicional pijama (sempre que vou ao Rio e fico na casa dele, aproveito e uso!) mas também dou uma variada com bons vinhos e, depois da última ida à casa dele, itens para cozinha também entraram na lista.
Para vinho, sempre recomendo a Gabo Livros e Vinhos, minha loja favorita em Curitiba. E a Tati se juntou com a Floreria e essa parceria está rendendo lindos arranjos de flores secas com vinhos maravilhosos.
E em uma certa provocação, mas com a intenção para trazer para a família a discussão (aqui em casa todo mundo leu!), recomendo demais o livro da Chimamanda Ngozi Adichie: Sejamos todos feministas. Um livrinho de bolso, pequeno e de leitura fácil. Ele é uma adaptação do discurso feito pela autora no TEDx. Querer pais mais presentes e participativos, também passa pelo entendimento de todos da importância do feminismo.
Que você tenha um domingo de paz com o seu pai, onde quer que ele esteja.
Obrigada por chegar até aqui.
Beijocas e até loguinho,
Rê
Amei! Saindo do texto com uma fome de carbonara! haha 💜
Muito bom 🤍 me senti com vocês nesta cozinha afetiva