#35 Ano novo, nova temporada de Palavras Temperadas
É claro que estou enrolando muito para isso acontecer e atrasei meu cronograma inicial, mas larguei mão do controle e solto a cria que ando planejando e pensando, sem ter ideia do que estou fazendo.
Oi, tudo bem?
Alguns hábitos não vão mudar, mas prometo ser breve nos comentários aleatórios. E você sabe, é impossível começar essa cartinha e não falar sobre o orgulho que tenho de ser brasileira. Voltei a trabalhar e tentei retomar uma rotina decente, mas os memes, postagens e a Fernanda Torres não me deixaram. Ainda assim, estou aqui (péssimo trocadilho), ansiosa, nervosa e orgulhosa do que vou jogar para o universo.
A partir dessa edição e até o final do ano - sendo muito otimista - o que você vai receber a cada 15 dias é um devaneio mais específico sobre Comida e Arte. Minha ideia é levantar algumas questões e mostrar como a comida, o alimento e a gastronomia estão presentes em diversas manifestações artísticas. E questionar, inclusive, se a gastronomia é uma expressão artística legítima.
“Cozinhar é indubitavelmente uma arte superior, e um chef competente é tão artista em seu ramo de trabalho quanto um pintor ou escultor …”, disse George Augusto Escoffier, em um discurso de 1890. O texto tem mil defeitos - sério, passo raiva - e rende pano pra manga, mas o que quero deixar aqui é sobre a equivalência do artista - pintores e escultores são capazes de registrar e perpetuar suas obras ao longos dos anos… enquanto a comida, gastronomia, a arte culinária é algo instantâneo, perecível, momentâneo, efêmero. Será?
Ando fazendo muitas perguntas por aí. Sim, comecei umas entrevistas, praticamente só com mulheres, sobre comida e arte! A ideia não é encontrar uma resposta específica sobre o tema, mas trazer essa discussão para cá e a possibilidade dessas elucubrações infinitas sobre o assunto.
Talvez você ainda encontre um post ou outro sobre os meus desatinos e anseios, que serão publicados diretamente na página inicial da Palavras Temperadas e não serão enviados para o seu e-mail.
Obrigada por estar aqui e Feliz 2025 pra gente.
PS: desde que vi o filme Ainda estou aqui, quero falar sobre o suflê de queijo e a questão da comida no filme. O perfil Comer História fez isso por mim (e muito melhor) e ainda deu a deixa sobre o que essa temporada da newsletter quer trazer. Veja o filme, faça suflê!
Comida é arte?
Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída para qualquer parte
A gente não quer só comida
A gente quer bebida, diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida como a vida quer
Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comer
A gente quer comer e quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer pra aliviar a dor
A gente não quer só dinheiro
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente não quer só dinheiro
A gente quer inteiro e não pela metade
Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê? (De quê?)
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída para qualquer parte
A gente não quer só comida
A gente quer bebida, diversão, balé
A gente não quer só comida
A gente quer a vida como a vida quer
A gente não quer só comer
A gente quer comer e quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer pra aliviar a dor
A gente não quer só dinheiro
A gente quer dinheiro e felicidade
A gente não quer só dinheiro
A gente quer inteiro e não pela metade
Diversão e arte
Para qualquer parte
Diversão, balé
Como a vida quer
Desejo, necessidade, vontade
Necessidade, desejo, é
Necessidade, vontade, é
Necessidade
Composição: Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto.
A letra acima, imagino que você já conheça, é da música do Titãs, banda de rock nacional, e vou usá-la como fio condutor da primeira carta dessa temporada de 2025 da Newsletter Palavras Temperadas.
Não é a minha música favorita deles e muito menos a música que tem a comida como protagonista que mais amo. No entanto, para ilustrar a ideia e dar uma cutucada no tema, ela é perfeita.
Ela nos traz algumas perguntas que deveríamos fazer com mais frequência e que no automático da vida, na necessidade de nos saciarmos, se perde.
A música, composta em 1987, é uma grande crítica social, seja sobre a própria falta de comida - embora não fique claro, eu entendo que ela esteja ali -, seja sobre saciar a nossa fome com o quê, efetivamente? O que mais nos alimenta, além da comida? Arte, dinheiro, sexo, tempo?
Desejo, necessidade e vontade. A gente satisfaz a nossa necessidade vital, mas não o nosso desejo. Sem comida, podemos ir para qualquer lugar? Sendo assim, seu direito de ir e vir é real? Temos efetivamente acesso ao mundo da arte na sua totalidade? Quem consegue ter acesso à arte quando está com fome? Queremos não só comer por comer, queremos saborear a vida. Que a comida não seja apenas para não morrermos de fome. E a fome mata.
Calma, não vou levantar bandeiras, embora você saiba que tudo é político. Mas a gente também não pode deixar de falar sobre expressões artísticas sem colocar a questão do acesso. E mesmo correndo o risco de cair em contradição, não tem como dissociar a arte das questões sociais.
No livro Comida como cultura, do italiano Massimo Montanari, da Editora Senac, com tradução de Letícia Martins de Andrade, o autor entende que o homem adquire cultura e então produz a arte. E essa cultura é conhecimento, que vem desde quando o homem aprendeu a dominar os processos naturais, utilizando-os em benefício próprio. O pão não vem da natureza, o trigo sim. Essa transformação é cultura. Comida e arte fazem parte de uma interseção cultural, entre tradição e inovação.
Nesse embaralhar de informações, me pergunto: onde a comida encontra a arte? Comida é arte? É uma expressão artística? E quando a comida serve de protagonista para outras artes? Nos livros - e aqui cabem quase todos os estilos -, na fotografia, no cinema, na música, no teatro? Em quais outras manifestações artísticas ou intervenções culturais, a comida se faz presente?
Viu? Comida e arte rendem conversa? E eu pretendo conversar e muito sobre isso por aqui.
Aquele “plus a mais”
A novidade fica por conta da participação especialíssima da fotógrafa Helena Peixoto. Eu falei dela um pouco na última newsletter e volto para explicar como vai funcionar.
Já contei, Helena entrou no meu radar quando eu era a louca das assinaturas de revistas. Cláudia, Casa e Jardim, Casa e Comida eram as minhas preferidas. E na Revista Cláudia, na seção de Comidas e Bebidas, lá estava o nome dela. Passei a seguir seu trabalho (acá stalker mesmo) até que me dei conta de que ela estava morando em Curitiba e um dia entrou na Mandarina. Quase morri.
Ano passado, fomos tomar um café e trocamos figurinhas. Maternidade, Curitiba, trabalho, menopausa… Contei pra ela a ideia desta nova temporada e ela topou fazer as fotos para ilustrar a news.
A cada edição, vou reproduzir e contar a experiência de fazer uma receita de um dos mil livros de gastronomia que tenho. Livros os quais considero, quase todos, de arte. Sem nenhuma pretensão, vou tentar trazer receitas possíveis de serem reproduzidas nesta vida louca que temos, com ideias e sugestões. Pode ser que não seja uma reprodução Ipsis litteris, mas não deixará de ser uma reprodução. E a Helena vai fotografar o resultado.
Claro, vou aproveitar a oportunidade e tirar umas fotinhos minhas, porque amo e porque é incrível como sou fotogênica (é o que dizem… - emoji rindo com a mão tapando a boca pois #contemironia). Ah! E quem sabe, não arrumo um trabalho de modelo 50+.
Aproveito para deixar registrado meu enorme agradecimento à Helena. Que honra tê-la por aqui.
Prato do Dia
Eu queria pegar uma receita de um dos primeiros livros de gastronomia que “adquiri”. Quando nos mudamos para Curitiba, pedi ao meu pai o livro do Jeff Smith, o Frugal Gourmet. Foi um dos primeiros programas de culinária do GNT e ele adorava assistir. Sempre que conseguia, sentava com ele diante da TV e curtíamos juntos os episódios. Mas seja por preguiça ou por achar as comidas meio over, não achei no livro nada interessante pra fazer. Por enquanto.
Acabei caindo no livro da grande musa da culinária televisiva: Nigella Lawson. Sério, que mulher!
Jornalista e chef de cozinha fez muito sucesso antes da proliferação dos programas de culinária. Ok, o primeiro livro dela tem um título péssimo - How to be a Domestic Goddess (Como Ser Uma Deusa Doméstica), e acho que nem chegou ao Brasil, mas seus demais livros são bons e seus programas de TV eram muito legais. Amava sua despensa abarrotada de produtos e os momentos em que roubava comida de madrugada. Tão eu…
A receita que reproduzi tirei do livro: Na Cozinha com Nigella - Receitas do coração da casa, com tradução de Joana Faro, fotos de Lis Parsons - 2a edição, Editora Best Seller, 2013.
Curry de legumes ao estilo do sul da Índia
Ingredientes
2 colheres de sopa de azeite de alho - usei azeite comum mesmo
1 cebola, descascada, cortada ao meio e depois em meia-luas
1 pitada de sal marinho em flocos - usei sal comum
1 pimenta-verde, sem sementes e finamente picada - não usei
1 pedaço de gengibre fresco de 2 cm, descascado e cortado em tiras finas - ralei
¼ de colher de chá de pimenta calabresa
1 colher de chá de cúrcuma
1 colher de chá de cominho em pó
1 colher de chá de sementes de coentro em pó
1 colher de chá de gengibre em pó
400ml de leite de coco
600ml de caldo de legumes - não tinha, usei água
1 colher de chá de açúcar
1 colher de sopa de pasta de tamarindo - não usei
350g de couve-flor, dividida em floretes
350g de brócolis, divididos em floretes
100g de vagens finas, limpas e cortadas ao meio
125g de minimilhos, cortados ao meio - não usei
150g de ervilhas-tortas - não usei
2 colheres de sopa de endro ou coentro picado, ou a mistura dos dois
Acrescentei meio pimentão vermelho
Preparo
Aqueça o óleo em uma caçarola ou panela grande de fundo grosso e frite a cebola fatiada com um pouco de sal até que comece a amolecer, depois acrescente a pimenta fresca picada e as tiras de gengibre e mexa de vez em quando ao cozinhar por 1 minuto. (nesta hora, coloquei o pimentão bem picadinho)
Depois, acrescente a pimenta calabresa, a cúrcuma, o cominho, as sementes de coentro e o gengibre em pó. Mexa bem e cozinhe por mais ou menos 1 minuto antes de despejar o leite de coco, o caldo (água), o açúcar e a pasta de tamarindo (coloquei um pedaço pequeno de um curry industrializado que tinha em casa). Mexa para combinar os ingredientes.
Deixe levantar fervura, acrescente primeiro os floretes de couve-flor, depois os de brócolis. Cozinhe por 10 minutos, depois adicione as vagens e os minimilhos. Verifique o ponto dos legumes após cerca de 5 minutos, deixando-os cozinhar mais se for necessário.
Quando os legumes estiverem macios, acrescente as ervilhas tortas e tempere a gosto. Quando as ervilhas estiverem quentes, sirva, generosamente salpicado com ervas de sua escolha, em uma tigela sobre arroz simples ou com um pouco de pão indiano chapati aquecido para mergulhar.
Minhas considerações
Como a própria autora diz na introdução da receita, vale usar qualquer legume que esteja sobrando na geladeira e ainda é uma excelente base se quiser colocar um peixe ou um frango. Não acho que a pasta de tamarindo faça falta, mas como coloquei o pedaço do curry em pasta industrializada que tinha, ficou mais apimentado do que o ideal para o paladar daqui de casa. A receita assusta pela quantidade de ingredientes, mas eu juro que ela é muito fácil de fazer e bem saborosa.
Ufa, dei conta.
Obrigada por chegar até aqui.
Beijocas
Rê