#23 Da janela da sala, tocando Ed Motta sem parar, escuto o Maciço da Tijuca
Não sei se ouvir e/ou falar com as montanhas vai nos salvar do fim do mundo, mas o fato é que ao observar as nuvens do Sumaré saberemos se vai chover ou não na Tijuca.
Oi, tudo bem? Como você está?
Férias escolares para alguns ou apenas um mês comum para tantos outros. Em julho, escapei da semana mais fria do ano até agora em Curitiba para pegar tempo ruim, chuva e até sereno mais intenso, no Rio de Janeiro. Poucos dias, mas cariocas não gostam de dias nublados, como canta Adriana Calcanhoto. Eu sei, é difícil de acreditar que na Cidade Maravilhosa faz frio e também sei que é um exagero os sobretudos, botas, gorros e luvas dos cariocas, mas não vou negar que esse “sereno” incomoda, o vento arrepia e rola um casaquinho básico para o conforto de quem passeia pela cidade nesta época.
Meu pai fez 85 anos e é um privilégio celebrar mais um aniversário com ele, ainda lúcido, bem disposto e ativo dentro das limitações da sua idade. Aproveitamos o Rio também para fazer um pouco de turismo, alguns encontros e recarregar as baterias com amor e muito sotaque!
Será que sabemos “ouvir” as montanhas?
Estava lendo o livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, do Ailton Krenak, onde, entre mil outros assuntos, ele discorre um pouco sobre as relações de alguns povos com as montanhas que os cercam. Especialmente sobre as montanhas da aldeia dele.
Comecei a ler o pequeno livro deitada no sofá do Airbnb que alugamos em Ipanema para aproveitarmos os dias folga (não foram férias, vamos combinar). O sofá ficava ao lado de um janelão e a vista, apesar dos edifícios -, era para o paredão de encosta verde, o chamado Maciço da Tijuca, que abrange, entre outras montanhas e picos, o morro do Corcovado - nossa vista era para o sovaco do Cristo -, e o Sumaré, onde estão todas as gigantes antenas de televisão - acho que agora são as antenas de celular e elas continuam imensas!
Essas montanhas ajudam a formar uma das maiores florestas urbanas do mundo, a Floresta da Tijuca. Esse conjunto que forma o maciço também serve como um divisor de regiões da cidade, as chamadas Zona Sul e Zona Norte, cuja ligação principal é feita pelos dois trechos de túnel que homenageiam os irmãos Rebouças, cuja história conheci mais quando vim morar em Curitiba do que no Rio. Interesses, eu diria.
No livro, Ailton conta como as montanhas não só tem nome, como personalidade e temperamento. Sua aldeia fica na margem esquerda do Rio Doce e do lado direito tem uma serra chamada Takukrak. “De manhã cedo, de lá do terreiro da aldeia, as pessoas olham para ela e sabem se o dia vai ser bom ou se é melhor ficar quieto. Quando ela está com uma cara do tipo ‘não estou para conversa hoje’, as pessoas já ficam atentas. Quando ela amanhece esplêndida, bonita, com nuvens claras sobrevoando a sua cabeça, toda enfeitada, o pessoal fala: ‘pode fazer festa, dançar, pescar, pode fazer o que quiser’”, assim conta Krenak.
No Rio, sempre lembro da minha mãe falando: se o Sumaré está coberto, lá vem chuva. A Tijuca, bairro em que moramos grande parte da nossa vida - e onde o meu pai ainda mora -, é quase um vale, boa parte cercada por esse maciço enorme. Nessa teoria nada científica da minha mãe, apenas de identificação e de uma cultura popular, se o Sumaré está com nuvens mais carregadas, a chuva, vinda do mar, parece querer atravessar a montanha para chegar à Tijuca.
Como falei, não há comprovação nenhuma e a chance da explicação não ser essa é gigante. A ideia aqui não é discorrer sobre os fenômenos climáticos, dos ventos, nuvens e afins. O que eu estou trazendo são lembranças e a poesia que essa aproximação, crença e forma de olhar a natureza, mesmo em uma metrópole, nos trazem.
No dia do casamento da minha irmã Patrícia, enquanto a produção das makes, penteados e modelitos das mulheres da casa rolava solta, minha mãe tinha um olho no relógio e o outro no Sumaré. Até vir a sentença - embora muito óbvia (era março!): vai chover. E choveu! Torrencialmente, alagando a cidade. Marcado para às 21h, o enlace só aconteceu depois das doze badaladas, com N histórias que poderiam ser contadas aqui.
No meu casamento, morando no Recreio dos Bandeirantes, longe dessa possibilidade de análise e para não correr nenhum risco - afinal, minha cerimônia foi ao ar livre -, recorri a outra crença popular: fui ao convento de Santa Clara, que fica numa ruazinha bucólica no bairro da Gávea - também cercado pelo tal maciço. Levei uma dúzia de ovos, ganhei não só as medalhinhas benzidas devidamente pregadas no meu vestido e no terno do Rogério, como uma noite linda e estrelada que iluminou o Cristo Redentor, do alto do Morro do Corcovado, nos abençoando.
Adendo: meses depois, acompanhei uma amiga que se casaria também ao ar livre e levei mais uma dúzia de ovos para agradecer Santa Clara e aos deuses do Sumaré. Rituais.
Confortavelmente instalada no tal sofá com a vista para o Maciço da Tijuca, entre a leitura do livro e essas lembranças, me veio o temor de que nas loucuras do dia a dia, na correria dessa nossa vida frenética e conectada, a gente perca a sensibilidade de algumas crenças, lendas e vivências. O pequeno livro de Krenak não nos dá nenhuma solução para que o fim do mundo não aconteça, no entanto, ele deixa algumas pistas de como deveríamos nos envolver ainda mais no assunto. Perpetuar as narrativas da própria natureza, com uma escuta mais ativa para o que é originário e a sabedoria ancestral talvez nos ajude a adiar esse fim que, infelizmente, não anda tão distante como queremos acreditar.
PS: estão na minha lista de turista carioca subir de novo o pico da Tijuca e fazer a trilha da Pedra Bonita. E quem sabe assim, ouvir as montanhas de pertinho….
MERCEARIA DA VIDAL
Tenho muita coisa para escrever e indicar sobre o Rio e ainda estou devendo umas dicas de São Paulo, então, hoje, vamos de curtinhas (nem tão curtas assim).
Em Sampa, fora os lugares que mencionei na última cartinha, ainda conheci a Trattoria Tappo, com ambiente super agradável, chique sem ser ostensivo, atendimento impecável e comida perfeita. Pedi o tradicional Carbonara, porque tenho a mania de provar este clássico em quase todos os restaurantes italianos que vou. Super aprovado.
E o que mais gostei, foi da longa e divertidíssima conversa que tive com a Deinha, uma amiga que não via há mais de 20 anos!
No Rio, fomos ao Toto Ipanema mais um empreendimento do Thomas Troisgros, filho do Claude Troisgros, que depois de bombar com hambúrguer gourmet e outros tantos estabelecimentos, correu pras suas raízes francesas e entrega uma coisa bem boa ali nesse “neobistrô parisiense”.
Tenho duas impressões: as semelhanças entre a Trattoria Tappo e o Toto Ipanema, no conjunto estético, ambos esbanjam uma certa simplicidade refinada, aquele ar glamouroso (localizados em bairros icônicos da cidade - Ipanema e Higienópolis) com toques de despojamento. O segundo ponto é que, Thomas Troisgros e Beto Madalosso parecem ter muito mais semelhanças em suas trajetórias do que a gente imagina… Quem é de Curitiba talvez entenda a referência. Eles são jovens, de uma família tradicional da gastronomia e donos de mil negócios de sucesso. Até a sobremesa de seus restaurantes é parecida (vídeo abaixo). Sério, quem vai juntar os dois para fazer o perfil deles em uma revista especializada?
Se não me engano em 2015, fizemos um tour guiado pela minha irmã Evelyn, que é comissária e guia de turismo, pela região do Porto Maravilha, a grande obra do prefeito Eduardo Paes, para as Olimpíadas de 2016. A região é de uma história riquíssima e graças a essa revitalização, podemos conhecer um pouco mais sobre o sítio arqueológico na Zona Portuária do Rio, uma área sagrada chamada de Pequena África. Aproveitando que uma amiga comentou comigo sobre os tours guiados, deixo aqui a recomendação que ela me passou para fazer o passeio. Na Sou Mais Carioca, procure pela Luana.
Marque na próxima viagem ou, se você já é do Rio, não deixe de conhecer esse pedaço histórico da cidade.
Aliás, a Taís Araújo fez um vídeo contando sobre essa experiência.
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Dessa vez, a Evelyn nos levou ao Convento e Igreja de Santo Antônio, que conta um pouco sobre a construção do Rio de Janeiro, bem onde a cidade começou. Eu já conhecia, pois filha de Herly, grande devota do santo casamenteiro, frequento o local desde pequena! Voltar lá, levando o André, recordando e admirando com outros olhos é emblemático e tem um certo tom nostálgico.
Nas andanças desse dia, passamos pela Rua da Carioca e paramos em um dos últimos comércios de alimentos e bebidas que ainda sobrevive naquela rua que já abrigou o Bar Luiz (fechado em 2021). O Café do Bom, Cachaça da Boa 10 - nome horroroso -, abriga este lugar de difícil descrição. Não é só um bar ou um café, é um brechó, um sebo, uma cachaçaria… é um pedaço do Rio Antigo, que se mantém vivo, aos trancos e barrancos, comandados por mãe - uma senhorinha muito senhorinha - e filho de olhar cansado e resistente. Provei uma cachaça carioca deliciosa, tomei um café e valeu demais ir até lá!
Talvez eu jogue uma pedra na cruz agora, mas eu tenho uma certa antipatia com o Gilson Martins. Quando ele estourou lá em 1900 e alguma coisa era revolucionário e talvez ainda faça sentido para o consumo turístico, mas não nego que acho a produção dele de gosto duvidoso. Nosso airbnb em Ipanema ficava ao lado da loja da marca e, obviamente, paguei pela boca grande (como sempre) e amei a versão em vermelho dessa bolsa rafting fitness - aqui na versão azul-marinho. Na loja também tinha uma pochete de brilhos bafônica (não achei no site). Bem feito para mim e minhas implicâncias.
PRATO DO DIA
Tanto em São Paulo quanto no Rio fiz essa sopa que eu amo demais. Faço ela de cabeça e uma pitada mais simples, mas busquei as quantidades precisas no livro do Jamie Oliver (esse aqui), adquirido em 2006, quando o meu sonho de trabalhar em uma cozinha profissional ainda era muito distante e o jovem chef ocupava mais espaço na grade do GNT que a Rita Lobo.
Mostrei nessa cartinha extra de carnaval, que a combinação grão de bico com alho poró dá samba. Então, aproveite esse match e faça essa delícia nestes dias mais frios.
Ingredientes
340g de grão de bico (deixe de molho a noite e cozinhe no dia seguinte)
1 batata média descascada (só uso quando lembro e não faz falta)
5 alhos porós (eu sempre acrescento mais um ou dois)
1 colher de sopa de azeite de oliva
1 pedaço de manteiga (generosidade é a dica!)
2 dentes de alho fatiados finos
Sal e pimenta do reino moída na hora
850ml de caldo de galinha ou de legumes (não uso)
Queijo parmesão ralado
Na minha lista, ainda tem duas folhas de louro para cozinhar o grão de bico, um pouco de tomilho e creme de leite fresco.
Preparo
Coloque o grão de bico para cozinhar na panela de pressão com as folhas de louro. Depois de pegar pressão, cozinhe por uns 15/20 minutos. Descarte a água e as folhas de louro.
Corte o alho poró em fatias finas.
Em uma panela de fundo mais espesso, coloque o azeite e a manteiga, adicione o alho poró e frite até murchar. Acrescente o tomilho e o alho, frite e em seguida coloque o grão de bico (e a batata em pedaços pequenos, se for usá-la). Eu não uso caldo, então, coloque água morna/quente e deixe cozinhar por uns 20/30 minutos. O Jaime sugere bater metade no mixer ou no liquidificador e, assim, deixar pedacinhos e textura. Eu prefiro passar ela toda no mixer e acrescentar creme de leite fresco. Neste momento, acerte o sal, pimenta do reino e finalize com um toque de parmesão e até um pouco de manteiga (como se faz no risoto).
Qual é a música, Pablo?
Ainda deitada no sofá do airbnb de Ipanema (sofá bom heim?!), o Ro colocou a playlist que fez para as comemorações dos seus 50tinha! No dia da festa não prestei atenção, mas dessa vez, fiquei ouvindo e identificando músicas que fazem parte da nossa história. Lindas lembranças de uma época onde tudo era só um flerte via ICQ e íamos aos shows do Ed Motta antes dele virar um enochato de primeira.
Os dois álbuns do sobrinho do Tim Maia, Manual Prático para Festas, Bailes e Afins (1997) e As segundas intenções do Manual…. (2000), tem preciosidades como Falso Milagre do Amor - da trilha sonora do filme Pequeno Dicionário Amoroso; Vendaval; Birinaite e Outono no Rio. Eu ainda gosto de Que bom voltar, Tem espaço na van e dos tempos de Conexão Japeri, Baixo Rio - que tem um Q de deprimente mas com um balanço bem gostoso… Meus destaques ficam, obviamente, para as mais populares: Fora da Lei e Colombina não podem ficar de fora de nenhuma playlist animada.
Escrevi, né?! Mas que bom que você chegou até aqui. Obrigada!
Se cuide.
Beijocas e até loguinho
Rê
Uma das coisas que mais amo onde moro hoje em dia é a conseguir ver as montanhas da serra do mar!
Coincidência você falar desta coisa com as montanhas, Rê! Também vivi muito este sentimento nas últimas semanas. Conversa para um vinho! 😉